A primeira vista, pode parecer que a compra de um carro, bem móvel, é totalmente diferente da aquisição de uma casa, a propriedade imóvel.
Entretanto, são muitas as semelhanças e é possível comparar algumas delas. Desconhecer as regras é um passo a mais para você levar gato por lebre.
O veículo, para sair da montadora, passa por uma série de processos cujo objetivo é identificar aquele bem e torná-lo individualizado. Milhares de automóveis "iguaizinhos" saem do forno todos os dias, são entregues nas concessionárias, onde o interessado pode adquiri-los.
Mas como o sujeito sabe qual é o seu carro? Como o Estado sabe a quem destinar as multas e impostos?
É simples: antes de sair da fábrica, várias peças e elementos do veículo recebem um número de chassis. Essa combinação enorme, alfanumérica, permite que o veículo seja verificado, na comparação entre documentação e número do chassis gravados nessas peças. Além disso, ele também recebe uma placa, alfanumérica, que permite a associação de veículo, marca, cor, ano e proprietário. Assim, propriedade, multas e impostos estão diretamente relacionados ao bem. Da mesma forma, são documentos distintos o Certificado de Registro de Veículo (Exigido pelo Detran para o momento da transferência de propriedade) e o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (renovado a cada ano). No entanto, o veículo sempre estará irregular na ausência de um destes documentos. Ou seja, um bem normalmente é acompanhado de vários documentos pertinentes que somente no conjunto atestam sua procedência e legalidade.
E a casa segue o mesmo princípio. Requer mais cuidados na análise da documentação e certidões, mas o resultado é muito parecido.
Um lote é uma parcela de uma gleba, cujo empreendimento possui um registro no Cartório de Registro de Imóveis. Uma vez cumpridas todas as exigências legais, o lote é individualizado e recebe um número de matrícula no livro apropriado. É uma verdadeira certidão de nascimento. Desse momento em diante, hipotecas, penhoras, averbação de construções, garantias, doação devem ser descritas em sua matrícula. Toda e qualquer transação pode e deve ser protocolada em Cartório para registro ou averbação à margem da matrícula.
Num condomínio, embora o comprador tenha direito a uma fração ideal relativa às áreas de uso comum e outra de caráter privativo, o processo é semelhante. O Cartório de Registro de Imóveis é o responsável por incrementar o controle administrativo de tudo quanto é realizado após a incorporação, até a efetiva averbação da unidade autônoma - casa, bem como a qualquer das transações já comentadas.
Portanto, em se tratando de bens, há muita semelhança nos procedimentos para a aquisição de forma legal.
Enquanto ao comprador de um veículo é recomendado que exija negativa de multas, IPVA, seguro obrigatório e cumprimento de outras taxas ou tributos, para a compra de um imóvel existem inúmeras certidões cíveis, criminais, de propriedade, negativas de inscrição de penhora, falência, execução, negativas de IPTU e outros inúmeros documentos que comprovem que o imóvel está apto para venda.
Culturalmente, a explicação para o desconhecimento das regras por parte da população está no fato do Brasil ter acelerado seu crescimento econômico e incentivado a urbanização em massa sem que as pessoas tivessem acesso à educação formal. As relações de comércio na base da confiança, do velho "fio de bigode" à caderneta de compras no mercadinho, retardaram o entendimento de que muitos bens deveriam ser adquiridos com base nas regras legais e não na palavra do vendedor. Certamente evoluímos para uma sociedade de consumo das mais atraentes na atualidade, mas precisamos avançar muito ainda como consumidores eloquentes e conscientes. Prova desse pensamento tem sido a própria Justiça. Nos últimos anos, é crescente o entendimento de que não é mais possível dar o ganho de causa para o requerente somente porque ele alega desconhecimento ou ignorância das regras comerciais e legais, visto que o acesso à informação é maior.
Essa é uma das questões mais controvertidas das duas últimas décadas. Milhares de lotes foram irregularmente vendidos, sem que os empreendimentos estivessem regularmente aprovados e registrados.
Essa é uma das questões mais controvertidas das duas últimas décadas. Milhares de lotes foram irregularmente vendidos, sem que os empreendimentos estivessem regularmente aprovados e registrados.
Essas transações deram origem a milhares de instrumentos particulares de compra e venda, conhecidos como contratos de gaveta, já que não eram recepcionados pelos cartórios, que consideravam o empreendimento inexistente.
Esse é o grande desafio da regularização fundiária na atualidade.
Costurar, política, jurídica e administrativamente, os meios "legais" que permitirão a esses indivíduos, compradores de boa-fé, obter seus títulos de propriedade e exigir do Poder Público todos os benefícios, infraestrutura, saneamento e serviços públicos necessários à coletividade em condições dignas.
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